Luca, o desenho da Disney que nos ensinou italiano e a projetar uma viagem para a Itália.
Um monstro ou menino marinho que pastoreia peixinhos no fundo do mar, como se fossem ovelhas, vive uma vida tranquila até que a curiosidade arrebata seus sentimentos e o leva à superfície terrena. Sem spoilers ou revelações consequentes, esta é a história de Luca. Um desenho da Disney e Pixar de 2021, disponível no streaming do conglomerado americano Disney Plus. A ideia inicial era ser lançado nos cinemas, porém, devido a pandemia global, as aventuras fantásticas de Luca Paguro, Alberto Scofano e Giulia Marcovaldo se transferiram ou nadaram para as TVs caseiras.
Silenzio Bruno! Opa, acho que poderia ser um mini spoiler, contudo é uma inflexão à empolgação, pois o desenho é bom pra dedeu. O contexto é inspirado na infância do diretor Enrico Casarosa na riviera sessentista da Ligúria. Inclusive vários artistas da Pixar foram passar um tempo em Gênova para tomar um bronze, gelatos, dar rolês de vespas e retornarem vibrantes com a energia do sol mediterraneo. E para quem ama o cinema italiano como eu, infância, memórias, música… é… Fellini, não a banda de rock nacional dos anos 80. Federico Fellini, o diretor. La Dolce Vita, Oito e meio, Amarcord. Quem melhor que os italianos para despertarem grandes desejos de viver intensamente?
É o maior desejo de Luca Paguro. Viver, entender, aprender. A paródia do grande desafio adolescente de ser aceito. Todos e tudo é estranho. As conquistas, relacionamentos, laços sociais e solidez das relações humanas até nos encontrarmos. Quem somos? Onde vamos? Quem são os verdadeiros monstros? Enfim, a animação nos hipnotizou no sofá por uma hora e meia. Eu, esposa e filhos.
Como eu cheguei até aqui e desenvolvi a gênese desta newsletter e podcast também foi um caminho. Sinceramente, em casa, assinamos canais de streaming o tempo todo. Desde o comecinho, quando a caixinha da Apple TV aterrissou na sala e compartilhava espaço com o DVD (somos adoradores do Deus filme nos cinemas e nas extintas locadoras), já parei de assinar TV a cabo. Da caixinha da Apple, subimos um degrau para a Smart TV onde as opções de conteúdos são extensas. Dito isto, sentar para ver algo em horários impostos por emissoras, desapareceu do nosso lifestyle há uns bons sete anos.
Eu sabia da existência do Disney Plus, não dava muita pelota até que apareceu o documentário Get Back dos Beatles. Assinei na hora. Após 90 horas madrugadas adentro com os quatro garotos de Liverpool, preenchi um vazio existencial pulsante há décadas. Afinal, estava praticamente dentro do estudio com eles. Assisti em cores remasterizadas a criação de composicoes da minha vida. Quentinho no coração.
Sinceramente, na minha limitada concepção de pai, o universo de programação infantil bastava com Netflix e YouTube Kids. Claro que me enganei. Nos deparamos com o menino aquático da riviera italiana e nos apaixonamos de imediato. São outros tempos, outra Disney…
Tenho uma relação afetiva com a Itália. Sim, sim, em São Paulo siamo tutti italiani etc e tals. Mals aí italianada, me sinto mais libanês, Zauith, apesar, claro, de ser 100% brasileiro. E de praxe, como não previa no roteiro da vida, ganhei uma bolsa para trabalhar em uma rádio dentro de um estado autônomo que fica no ventre da cidade eterna, O Vaticano. durante a faculdade, escolhi classes de italiano nas matérias extracurriculares e descobri que existiam alguns truques internos para experiências além mar. Apliquei, passei, me fui. Cheguei um dia antes da seleção italiana vencer a França pela Copa do Mundo. Flutuei nas ondas de torcedores que insuflaram todas as esquina para celebrar a vitória. Todos juntos, abraçados, o hino entoado a todos pulmões e eu lá no tridente de Netuno, molhado pelas águas da fontana di Trevi. Uau, era apenas o segundo dia. A sequência de acontecimentos em pleno verão europeu foram tão intensos quanto o primeiro e estão gravadas em letras bem grandes na minha memória.
Pera aí, digressão a parte. Todos os detalhes, reviravoltas e fatos deste acontecimentos devem ser embrulhados novamente. Voltemos ao roteiro.
No final da animação, ou desenho tal qual falávamos nos anos 80, meu filho queria uma Vespa, tomar sorvete e nadar. A caixa de perguntas escancarou a tampa. ‘‘papai, como fala vermelho em italiano, o que é Piaggio, como se diz ‘Oi, tudo bem?’, o avião para a Itália é muito longe?.’’
Começamos a procurar palavras no Google tradutor que emitia Ciao, tutto bene e pipistrelo com sotaque local. Giallo, gelato, aereo. A voz robótica também ajudou a deixar tudo mais engraçado. E ali, no sofá mesmo, pelo celular, começamos a viajar pelo velho continente. Eu e minha mulher mostramos a clássica bota italiana no mapa, explicamos o que era um país dentro do continente europeu, vimos as ruínas romanas, explicamos que as cidades têm fontes e todos podem molhar a cabeça, filosofamos sobre as diferentes formas de macarrão, babamos em todas as cores e sabores de sorvete e também rolou uma mini aula sobre arquitetura.
E ele adorou! Obrigado Luca. Obrigado Disney. Obrigado Pixar. Marcamos uma passagem fictícia de avião e ele está mega empolgado! Passou a usar sunga e camisa de praia na sala e dizer que era o personagem principal. Agora é Luca quem vai para a aula de natação e Luca quer pasta e gelato são suas frases impositivas.
Do Mickey ao Luca se passaram algumas décadas.
O senhor Walt Disney lançou os primeiros cartoons lá nos anos 20 e, vejam só, ele era ilustrador. Pra quem pensou no ratinho, chegou perto. Na real, o primeiro personagem animado foi um coelho chamado Oswald The Lucky Rabbit, mas parece que rolou uma treta de direitos autorais e o senhor Walt perdeu o imbróglio. O Oswaldo está no YouTube e se percebe os traços fortes e trejeitos do glorioso Mickey Mouse, que chega em 1928.
Daí, com a tecnologia da cor, som e movimento (o famoso technicolor) explodiram personagens que nos acompanham até hoje. Dumbo, Branca de Neve, Pinóquio, Cinderela, Bambi e o meu favorito, Fantasia. Surrealidade fantástica em cores vibrantes com uma trilha sonora inesquecível orquestrada com Bach, Tchaikovsky, Stravinsky…
No quesito soundtrack, Luca não fica para trás. Porém, volto daqui a pouco com a música. Gostaria de fazer um adendo sobre a Pixar Animation Studios, um estúdio de animação computadorizada cujo dono provavelmente criou o seu celular. Ele mesmo, Steve Jobs. Quem não se lembra de Toy Story? Clássico até hoje. A Pixar foi comprada pelos estúdios Disney e juntos já arremataram 10 Oscars e 11 Grammys, o famoso troféu em forma de gramofone presenteado pela indústria da música.
A trilha sonora de Luca foi composta por um americano chamado Dan Romer. É hipnotizante e impactante. Com certeza você vai cantarolar com seus filhos no carro e no chuveiro. E mais ainda, não obstante ao infinito e além, tem Gianni Morandi, Rita Pavone, Mina e ela, Maria Callas, sim, Maria Callas cantando O Mio Babbino Caro, uma área do Puccini. Se não chorou agora vai chorar no final do filme.
Engraçado que eu não sou lá o maior fã de super-heróis. Essa eterna luta deles me deixa bem cansado. Caso não exista outra opção, e devesse escolher um. Seria o homem-aranha só porque ele fotografa e tem uma tia chamada Mary Jane, Maria Joana, sacou? Bom, a trilogia do Christopher Nolan é sensacional. Mas vejo o Christopher diretor, as atuações de Michael Caine e Heather Ledger. Não o Batman. E comento sobre isso já que lá no fundo meio que rolava uma preocupação. O universo da Marvel me interessa tanto quanto jantar sopa fria ou uma tigela de aveia com água e adoçante. E crianças com camisetas e mochilas de salvadores imaginários pipocam na minha frente todos os dias.
A animação da Disney tampouco deixa de fora alguns estereótipos tradicionais dos super-heróis. Não falta a imagem da criança incompreendida, o bullying, o medo, as perdas e os desafios. Contudo, creio, dentro de um aspecto menos distante do meu. Luca precisa aprender e superar suas diferenças, torna-se um habitué da superfície.
Parece que rola aquela pequena insegurança, sabe? Não seria pai ou mãe o suficiente? Deveria saber tudo ou fingir saber sobre estes universos? Quantas vezes policiei meus pensamentos? Milhões. Aprender é parte do processo. Claro que adoraria e exerceria um interesse pelos super-heróis. Às vezes projetamos inquietudes, porém, minha experiência é que cada dia é uma novidade. Poderia ser o Capitão América ou o Homem de Ferro. Foi Luca. DNA? Não tenho ideia. Mas uma porta se abriu e nos divertimos muito.
Todos os dias pesquisamos uma palavra nova em italiano. Do nada, enquanto enxuga sua cabeça após o banho me pergunta novas palavras. Quais são as comidas de lá ou se a cidade de Porto Rosso realmente existe. Claro, que o rosso, o vermelho, tornou-se sua cor favorita.
Já montamos roteiros para inúmeras cidades e ele adora a ideia de entrar em um avião à noite, dormir e acordar em outro lugar. ‘‘Como assim? Tem cama? Onde vamos dormir?’’. A opípara Vespa, marco máximo das vias urbanas com suas buzinas agudas retumbando entre o elegante caos europeu, já é o sonho de consumo do meu pequeno. Um breve parênteses, o Playmobil tem uma linha chamada City Life que imita cenas do cotidiano. Encontramos uma versão que vem com uma pizzaria ao estilo toscano, mesas, personagens e, vejam só, um motorino! Coincidência ou não, é a cidade do Luca, e, mais um passatempo preferido.
Aliás, quem se lembra do Playmobil? É tão divertido que merece um episódio exclusivo. Você é time Lego ou Playmobil? Difícil essa, não? Reviver esses momentos que também fizeram parte da nossa infância é único e talvez esteja agregado ao combo ‘‘Como criar filhos na vida adulta’’.
Luca adicionou muito aqui em casa. Aprender em grupo, em família. Compartilhar.
Agora, corre no Disney Plus para assistir Luca, mas não deixe de procurar a trilha sonora tambem! Segue o link
Ciao, arrivederci!
Escute ao podcast Pai Amigue nos streamings de música
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